sexta-feira, 24 de abril de 2009

As coisas simples da vida


A ARTE DE VIVER
Houve um tempo em que a minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. Perto da janela havia um jardim quase seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhas vinha um homem pobre com um balde e, em silencio, ia atirando com a mao umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros, e meu coração ficava completamente feliz. Às vezes abro a janela e vejo o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos: que sempre me parecem personagem de Lope de Veja. Ás vezes, um galo canta. Ás vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz. Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante da minha janela, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.
Cecília Meireles
O que você vê diante da sua janela??

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